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HISTÓRIA DO VINHO DE TALHA

Desenvolvido pelos romanos e trazido para Portugal há dois mil anos, o Vinho de Talha é, hoje, símbolo maior do Alentejo, região que tem sabido preservar este processo de vinificação tradicional. Um saber fazer que passou de geração em geração, ao sabor da História e dos seus acontecimentos, firmando um património cultural muito próprio, que se impõe preservar e inscrever no legado cultural da região de Vidigueira, coração do Vinho de Talha.

Esta técnica de fazer vinho em grandes vasilhas de barro, as ânforas ou talhas, sobreviveu ao passar dos séculos e, pela sua simplicidade e naturalidade, está há muito integrada no dia-a-dia dos alentejanos. Qualquer agricultor com vinha, por mais pequeno que fosse, não passava sem a sua própria “talhinha” (ou potinho) de barro para fazer vinho destinado ao consumo pessoal e dar a degustar aos amigos.

Este modo de produção está enraizado nos costumes culturais da região da Vidigueira e nos hábitos do povo do Alentejo. No final de um dia de jorna, permanece praticamente intocado o costume de ir à taberna, local de reunião, “cante” e conversa, para conviver e beber um copo deste néctar.

O Vinho de Talha esteve a ponto de desaparecer, mas, nas últimas décadas, tem granjeado maior protagonismo junto dos consumidores, e cada vez mais produtores apostam nesta técnica de fermentação feita 100% em talha de barro – cada um inserindo as suas variações, consoante a tradição local e gosto pessoal.

Na Adega Cooperativa de Vidigueira, Cuba e Alvito mantemo-nos fiéis ao processo mais tradicional, fazendo o nosso Vinho de Talha da forma mais artesanal e manual possível. Com a Casa das Talhas, celebramos este modo de fazer ancestral e damos a provar um produto único, natural na sua essência e complexo na sua personalidade.

A ARTE DE FAZER VINHO DE TALHA

Tão simples e natural quanto o processo de produção que lhe dá vida, assim é o Vinho de Talha. Com os seus dois mil anos de história no Alentejo, o Vinho de Talha não precisa de prensa nem de lagares fechados, como já assim notava o agrónomo António Augusto de Aguiar, em 1876. Na Adega Cooperativa de Vidigueira, Cuba e Alvito privilegiamos este saber fazer natural e milenar.
Acabados de chegar à Adega, os cachos de uva das castas mais tradicionais, e provenientes das vinhas centenárias dos nossos associados, são libertados dos engaços e esmagados.

Estas massas vínicas são, de imediato, colocadas dentro das talhas de barro, onde cerca de 24 a 48 horas depois se iniciará um processo de fermentação espontânea. Durante a vinificação, que decorrerá num período entre 10 a 15 dias, será necessário, diariamente, quebrar a “manta” que se vai formando à superfície (ou na “boca”) da talha. Assim, de manhã e à tarde, sobe-se à “burra” (escadote de madeira) e com recurso a um rodo de madeira, em forma de T, a massa é “mexida”, o que permite mergulhar as películas e grainhas das uvas no mosto, garantindo a extração dos componentes essenciais à libertação de aromas e sabores próprios de um bom Vinho de Talha.

De forma a manter o ambiente o mais fresco possível e controlar a temperatura de fermentação, que deverá rondar entre 17º e 18º, aproveita-se a porosidade oferecida pelo barro, que é humedecido diretamente com água várias vezes por dia. Também se coloca sarapilheira ou panos humedecidos à volta das talhas.

Terminado o processo de fermentação/vinificação, será necessário aguardar ainda mais algumas semanas até a parte sólida dos cachos e alguns (poucos) engaços se depositar no fundo da talha. Esta massa será vital, pois vai permitir a filtragem natural do vinho, quando as talhas forem abertas – um acontecimento que, no Alentejo, por tradição, costuma decorrer nas festas de São Martinho, a 11 de novembro.

Nessa ocasião, quando a fermentação já terminou e o vinho já repousou algumas semanas em contacto com as massas vínicas sólidas, é retirado do orifício da talha o batoque (rolha de cortiça) e colocada uma torneira a vedar esse mesmo orifício, existente a 30 centímetros do fundo da talha.
Se, nas tabernas, o Vinho de Talha está pronto a ser consumido – bastará agora abrir a torneira e servi-lo copo a copo -, na Adega, a talha será esvaziada para alguidares de barro. O vinho será, posteriormente, armazenado numa talha limpa até ser engarrafado no início do ano seguinte.

Durante este período de descanso, o Vinho de Talha incorporará aromas e sabores complexos, ainda que nunca perca a sua simplicidade natural – para gáudio dos apreciadores que, daí a alguns meses, já poderão degustá-lo a partir de garrafas e comprovar assim a sua elevada e superior qualidade.
Na Adega, contudo, o processo não termina aqui. Ao longo do ano, o trabalho não para, para garantir a qualidade da colheita seguinte. A começar pela limpeza das próprias talhas que, quando ficam sem vinho, necessitam que as massas que ficaram depositadas no fundo sejam retiradas manualmente com o apoio da “escudela”. Isto implica inevitavelmente que uma pessoa entre para o interior das talhas para conseguir concretizar esta tarefa, tal como faziam os romanos.

Na verdade, neste processo artesanal de fabrico de vinho, a preparação das talhas é uma tarefa essencial. Em pleno verão é altura de fazer a chamada “pesgagem” ou impermeabilização das talhas, que se desenvolve em cinco diferentes fases. 1) A talha é colocada de boca para baixo, assente em quatro pedras, entre as quais se faz uma pequena fogueira; 2) Enquanto isso, derrete-se num tacho pez loiro (resina de pinheiro às vezes misturado com cera virgem de abelhas) em quantidade suficiente para barrar a vasilha; 3) Ao fim de umas horas de fogo, a talha já está suficientemente quente, pelo que se deita na horizontal lançando-se no seu interior o pez derretido; 4) A talha é então rebolada cuidadosamente por vários homens de forma a que o pez se distribua por igual no seu interior, com a ajuda de um utensílio improvisado, um bocado de cortiça espetado na ponta de uma vara); 5) Antes do pez solidificar, e portanto ainda com ele mole, alisa-se o interior da talha até ficar como que “forrada” por uma espécie de capa de polimento.
Este processo garante ao vinho uma chegada adicional de aromas e sabores particulares.
Como ritual ancestral, a produção de Vinho de Talha está profundamente enraizada na cultura das gentes da nossa região alentejana. Na Casa das Talhas, queremos que faça parte desta tradição milenar e que descubra as raízes do Alentejo e do seu vinho.

OS NOSSOS UTENSÍLIOS

TALHA

Tradicionalmente em barro silicioso, a talha recebe o mosto que, graças à fermentação, se transforma em vinho. Tem um volume, em média, entre os 800 e os 1200 litros.

ESCUDELA

Ferramenta utilizada para encher garrafões ou outras vasilhas de grande volume com vinho. Também é utilizada durante a trasfega para encher o caneco com as massas que foram retiradas da talha.

TORNEIRA

Colocada no orifício na parte inferior da talha, permite a passagem do vinho filtrado para o alguidar de barro.

BURRA

Escadote de madeira que permite o acesso ao topo da talha no processo de remontagem e de trasfega.

RODO

Em forma de T, esta ferramenta de madeira é usada na remontagem do mosto no interior da talha.

ALGUIDAR DE BARRO

Recebe o vinho que escorre da talha.